Democratização sem precedentes da palavra: cada um de nós é incitado a telefonar
para o emissor, cada um de nós pretende dizer alguma coisa
a partir da sua experiência íntima, tornar-se locutor e ser ouvido.
(Mas quanto mais ruído) menos há que dizer,
e quanto mais se solicita a subjectividade, mais anónimo e vazio o efeito se revela.
Paradoxo reforçado ainda pelo facto de ninguém se interessar, no fundo,
por tal profusão de expressão, é verdade que com uma excepção significativa:
a do próprio emissor ou criador. É isso precisamente o narcisismo,
a expressão a todo o custo, o primado do acto de comunicação sobre a natureza
do que é comunicado, a indiferença pelos conteúdos, a reabsorção lúdica do sentido,
a comunicação sem finalidade nem público, o destinador tornado o seu principal destinatário.
(...) Comunicar por comunicar, exprimir-se sem outro objectivo além de se exprimir
e ser registado por um micro-público, o narcisismo revela aqui, como noutros lugares,
a sua conivência com a dessubstancialização pós-moderna, com a lógica do vazio."
in "A era do vazio" de Gilles Lipovetsky
Sem comentários:
Enviar um comentário