sábado, 21 de março de 2009




"(...)
Quero duendes maliciosos à minha volta (...). A coragem que afasta os fantasmas cria para si própria os seus duendes
- a coragem quer rir.
(...)
Aquele que sobe às mais altas montanhas ri-se de todo o teatro e de tudo o que se reveste de seriedade na vida.
(...)
Gracejadores, violentos - é assim que a sabedoria nos quer: ela é mulher, e, como tal, não pode amar senão
um guerreiro.
Dizeis-me: 'A vida é dura de levar.' Mas porque é que de manhã apareceis com o vosso orgulho e à noite com a vossa resignação?
A vida é dura de levar: mas não vos façais também tão efeminados! Todos nós somos uns lindos burros e burras bem carregados.
Que temos nós de comum com o botão de rosa que estremece porque uma gota de água lhe cai em cima?
É verdade: amamos a vida porque não estamos habituados à vida, mas ao amor.
Há sempre um pouco de loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.
E até eu; eu que sou legado para a vida, sou de opinião que as borboletas, as bolas de sabão e tudo o que a elas se
assemelha entre os homens é o que melhor conhece a felicidade. Ver flutuar essas pequeninas almas leves, loucas,
graciosas e volúveis - dá vontade de chorar e de cantar a Zaratustra.
Eu só poderia acreditar num deus que soubesse dançar.
E, quando vi o meu demónio, encontrei-o grave, pedante, pesado, solene: era o espírito da gravidade
- é por ele que todas as coisas caem.
Não é a cólera que mata, mas o riso. Vamos, matemos o espírito da gravidade!
Aprendi a caminhar: desde então permiti-me correr.
Aprendi a voar: desde então não espero ser empurrado para mudar de lugar.
Agora sinto-me leve, voo, vejo-me por debaixo de mim, agora um deus dança em mim.

Assim falava Zaratustra."




capítulo 'ler e escrever' in "Assim falou Zaratustra", Nietzche
traduzido para português por M. de Campos - 4ª edição - Publicações Europa América


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